Indivíduo que comprou e tem a posse de veículo pode propor usucapião se o automóvel estiver registrado em nome de terceiro O indivíduo que tem a propriedade de um veículo que, no entanto, está registrado em nome de um terceiro no DETRAN, possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária (art. 1.261 do CC) já que, com a sentença favorável, poderá regularizar o bem no órgão de trânsito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.177-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2016 (Info 593). Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2002, João comprou de Gustavo um Chevette, modelo 1988. Esta compra e venda, contudo, foi apenas verbal e, no DETRAN, o carro continua registrado em nome de Pedro, primeiro proprietário e que vendeu o veículo para Gustavo. João enfrenta diversas dificuldades pelo fato de o automóvel não estar em seu nome e gostaria de regularizar a situação. Já foi diversas vezes ao DETRAN, mas nunca conseguiu resolver administrativamente a situação. Usucapião extraordinária João comentou a situação com seu sobrinho, advogado que está estudando para concursos, e este decidiu ajudar o tio. Preparou e deu entrada em uma ação de usucapião extraordinária de bem móvel, nos termos do art. 1.261 do Código Civil: Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé. Ocorre que o juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito alegando que o autor não tinha interesse de agir para ajuizar a usucapião. Segundo argumentou o magistrado, a propriedade dos bens móveis se transmite pela simples tradição (entrega), conforme previsto no art. 1.226 do CC. João comprou o veículo e o recebeu, tanto que está na posse do bem. Logo, houve a tradição e, consequentemente, a transmissão da propriedade. Dessa forma, para a sentença, não haveria interesse de agir na ação de usucapião, tendo em vista que o bem já pertence ao autor. Por fim, o juiz argumentou que se está faltando apenas o registro no DETRAN, o autor deverá propor ação com este objetivo específico, e não a usucapião. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Informativo 593-STJ (09 a 24/11/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | O indivíduo que tem a propriedade de um veículo que, no entanto, está registrado em nome de um terceiro no DETRAN, possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária (art. 1.261 do CC) já que, com a sentença favorável, poderá regularizar o bem no órgão de trânsito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.177-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2016 (Info 593). Realmente, o juiz está certo quando argumenta que a propriedade de bens móveis se transfere pela tradição. Assim, presume-se proprietário de bem móvel aquele que lhe detém a posse, pela simples razão de que o domínio de bens móveis se transfere pela tradição: Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição. A despeito dessa regra geral, em se tratando de veículo, a falta de transferência da propriedade no órgão de trânsito limita o exercício da propriedade plena, uma vez que torna impossível ao proprietário que não consta do registro tomar qualquer ato inerente ao seu direito de propriedade, como o de alienar ou de gravar o bem. Em outras palavras, em se tratando de compra e venda de automóvel, a simples tradição não permite que o proprietário exerça todos os poderes inerentes à propriedade. Isso só se torna possível com o registro no órgão de trânsito. As faculdades do proprietário do veículo de usar, gozar e dispor da coisa ficam mitigadas ante a ausência de regularização de sua propriedade no DETRAN. Por essa razão, o proprietário do veículo tem interesse de agir para propor a ação de usucapião se o automóvel está registrado em nome de terceiro no DETRAN. Sílvio de Salvo Venosa já enfrentou o tema: “Por vezes, terá o possuidor de coisa móvel necessidade de comprovar e regularizar a propriedade. Suponhamos a hipótese de veículos. Como toda coisa móvel, sua propriedade transfere-se pela tradição. O registro na repartição administrativa não interfere no princípio do direito material. No entanto, a ausência ou defeito no registro administrativo poderá trazer entraves ao proprietário, bem como sanções administrativas. Trata-se de caso típico no qual, não logrando o titular regularizar a documentação administrativa do veículo, irregular por qualquer motivo, pode obter a declaração da propriedade por meio da usucapião.”